Me sinto um clichê
Ora agradeço a magia e leveza de ser desimportante, ora lamento como a maior das vítimas do mundo o fato dele não parar toda vez que eu quebro. Início da semana passada eu amava o passar das horas pela beleza que isso me trazia, pelos roteiros planejados, cheiro de maresia, pé ansioso por trilha, gosto de beijo molhado a se encontrar, nosso samba tocando ao fundo. Hoje, eu acordei envolta de sangue, me rasgando a alma e sufocando meu corpo. Eu não consegui agradecer por nada. Nem mesmo as orquídeas novas que brotaram no quintal. Agora eu as julgo deselegantes por não pararem pra me esperar, nem meu tempo, nem minha dor. Como pode se escancarar linda de vida, enquanto eu me morro lentamente?
O mundo não pára para que eu possa me consertar. Queria pegar carona numa estrela cadente pra um mundo distante sem hora pra voltar. Eu tinha só onze quando minha mãe se foi, dezessete na partida do meu pai. Isso significa que venho cuidando de mim há muito tempo. E agora, talvez, eu preciso que alguém me cuide. Eu não sei como deixar. Eu não sei se tenho que pedir, eu não sei o que fazer com as mãos, eu não sei dar os sinais ou não sei se os olhos atentos irão notar e me botar num colo num dia sombrio que nem choveu mesmo eu sendo tempestade por dentro. Eu recebo a extensão da mensagem de uma senhora, que nunca vi, mas gostaria de abraçar. E nesse momento lembro que nunca tive medo da solidão, mas agora, num processo invisível é ela quem me mata.
Enquanto isso, vou chorando pelos cômodos da casa, retocando o batom pra esconder a boca esbranquiçada entre uma reunião e outra, vou imaginando cidades, buscando por uma estrela cadente que me leve para qualquer lugar que adormeça o amargo de te sentir se esvaindo de mim pouco a pouco, numa intensidade incalculável para qualquer racionalidade acompanhar. Sua energia só conheceu o meu toque na barriga. Eu não estava pronta, de novo, e me falta forças até para esboçar o que se destrói aqui.
Queria não sentir nada. Não te sentir morrer e me ver renascer de novo poeta. Queria não sentir tanto, que tudo isso fosse exagero. E que minhas palavras fossem somente loucuras desproporcionais que eu usasse na tentativa de causar qualquer sensação irreal ou ilusória. Mas tudo me pulsa as entranhas. A vida e a morte, tão constantes, mais uma vez.
O capítulo se transmuta, agora sou eu tendo companhia no processo, mas sabendo que adiante andarei sozinha novamente. Quem tem coragem de amar uma mulher quebrada depois de tanto disso? O que há de sagrado não me fica, só transpassa por mim. É um alagamento da minha existência. Eu queria poder traduzir tudo que me atravessa, quase que numa tentativa insana de te fazer me enxergar para além do que admira. Me despir das minhas sombras. Nessa hora você me dirá palavras doces, mas elas não cabem nas minhas emoções amargas. E tá tudo bem, eu não preciso que caibam. Só que entenda que eu nunca te quis transformar num enredo de um livro, como me disse.
O medo que mora no meu peito é diferente do seu, ele tem outro endereço, vem de outro lugar. Quero rabiscar as paredes, tatuar os espaços no meu corpo, pegar carona nessa tal de estrela cadente, sentir o colo da minha mãe, para quem sabe assim eu possa tapar os buracos que existem agora no meu coração. Sigo me esforçando para lidar com o vazio que se repete e faz eco na minha imensidão. Vivendo um segundo de cada vez, porque cada minuto me dói demais. Hoje virei inundação com a tristeza nos meus olhos e minha correnteza arrastou todas as lembranças que um dia eu poderia ter dito de ti. Me sinto um clichê absoluto.
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