Doeu admitir tudo isso


A gente se encontrou de novo 
Anos, meses, feriados, dias alegres 
e tristes. Momentos nossos
Nem sei falar de mim, sem contar de você

Eu adiei, fugi da terapia, de você
A gente ia falar do desencontro
Desse ciclo se encerrando
Eu não quero que você tenha que escolher 
Porque a gente sabe que nos escolheríamos 
mil vezes, mesmo no escuro

Mas algumas escolhas doloridas
Adiamos por muito tempo
A gente sabe que nem sempre
Conseguiríamos lidar desse jeito

Você para de me chamar de gata
Eu começo a te chamar de mygo
Para disfarçar pro mundo
O que já não conseguimos disfarçar

Você chegou tão lindo
Fez a barba do jeito que eu gosto
Colocou aquela blusa que eu amo
Trouxe o seu violão
Insistiu para eu tocar
Pra você lembrar dessa parte que só você
Adentrou em mim
depois do câncer e esquecimentos

Acendemos mais um beck
Bebemos mais um vinho
Acendo o meu incenso preferido que 
você trouxe depois de mil voltas na Bahia 
pra achar aquele hippie conselheiro
que eu me apaixonei
Você sempre soube rir 
dos meus amores passageiros
E quis ler minhas loucuras depois 
Dizia que era minha parte mais linda

Você acendeu as velas como gosto
Encheu minha taça
Acariciou meu rosto
Beijou minha testa
E meus lábios do nosso jeito tão peculiar 

Me pegou pelo queixo e disse:
“sempre amarei você”
Com os olhos marejados
Eu, sempre chorona, dessa vez disse
Que nossa despedida deveria ser marcante 
como toda nossa história

Peguei as chaves do carro do seu bolso
Você tentou me conter
"A gente sempre dirigiu bêbados, lembra?", falei
Coloquei nossa playlist 
Era só o carro que a gente escolheu, 
alguns pedágios
A estrada
Mão na mão, eu e você

Fomos pra nossa pedra no interior
Nas montanhas
Era lua cheia
Tinha um resto de fogueira
E dentro da gente também era assim

Você me puxa pelo pescoço
Olha nos olhos
Me deita no chão, duro e frio
E me adentra
Calcinha de renda preta que você ama, pro lado
Te sinto forte e macio
E sei que é a nossa última vez
Te apertei forte quase como que uma súplica
Para a minha memória não perder nenhum segundo
É, eu morreria feliz nesse momento...

“A gente pode ficar junto pra sempre,
chega de fugir”, você diz
Eu sorrio, acendo de novo o seu beck
E te beijo suave, devagar, intenso
Não digo nada, mas penso como somos raros

Você sempre será minha pessoa
Mas não quero estragar isso
Te assumir pro mundo
É revirar fantasmas que
já não existem mais
Nosso ciclo precisa se encerrar aqui
Você sabe como são minhas intuições
Quando elas me chamam loucamente 
Para abrir o espaço para o novo
Eu nem sei como te explicar
Mas sei que você entende 
as vozes no meu ouvindo
Me redirecionando por ali

Logo, você coça os olhos e faz uma piada
Você me faz rir como ninguém nessa vida
Quase como que um dom pra me transmutar
Lembrei do dia que rimos num velório
E fomos expulsos
Tão insensíveis, mas tão nosso universo à parte

A gente gargalha daquele
nosso jeito tão único
Da barriga doer, faltar ar e me dar soluço
Nossos casos (que nunca souberam que a gente
sempre se foi nossa primeira opção)
sempre reclamavam disso

A gente criou nossa própria
Lei de surtos de risadas
Um dia você me disse que se não puder rir, 
não poderia ser. E se não puder ser, 
o que faria em qualquer lugar?
E disse também que no dia que perdesse 
esse dom de me fazer rir sem parar, 
que seria a hora de partir

Mas veja só
Estamos aqui, sentados em cima dessa coberta, rindo
Chorando, se amando, sendo loucos
Tudo como sempre 
Mais de 10 anos depois 
Esperando o nascer do sol, o 450 da nossa lista
Só consigo pensar que 
sempre amarei você!

E hoje eu te digo, 
que se eu não puder viver sem me
distanciar um pouco da fase mais difícil que tive, 
que não sei viver. 
E se não puder viver, como poderei me 
envolver em outros braços, amadurecer, escrever?
Somos nossa linda zona de conforto
Mas a gente precisa se libertar
A gente pode manter o nosso sonho da velhice, 
quem sabe?

Agora eu não posso mais lidar com isso
Intuições, ciclos, novas vivências
Não nos cabe mais aqui, nessa fase
Mesmo cabendo tanto da gente em mim, em nós

Decore sua casa na Bahia
Pendure os nossos filtros 
de sonhos na varanda 
Aborte a missão da minha horta
Afinal, você nunca gostou
Coloque uma rede ou faça um espaço pra tocar
Ocupe de você e sua vida 
Viva repleto em uma relação 
além da nossa
pela primeira vez

Só te peço que leve 
boas memórias de mim
Mesmo sabendo que seria impossível 
não me lembrar 
No som da chuva, no café com canela, no mar,
no cafuné, nas minhas danças malucas
Nas suas tatuagens com frases que escrevi

Eu sei que desfiz nossos planos
Peço desculpas
Eu não poderia mais seguir
Mas nunca quis te machucar
E não posso te prender num futuro 
que sonhamos. Mas não me vejo nele.
As bifurcações das nossas 
estradas já se desencontraram.

A gente se cala, nosso cômodo silêncio
Você me abraça do jeito que gosto
E me olha fechar os olhos pra dormir
Eu me sinto em paz com você
Mas agora sou um mar agitado
Entre passados e não expectativas.

Preciso olhar adiante, você também precisa ir.
Se entregue inteiro, mas não pra mim.
“Eu te amo, mas nosso ciclo acabou”, eu digo.
As lágrimas escorrem dos seus olhos

Eu me aconchego mais no seu abraço 
Eternizando esse último encontro
Tão intenso e verdadeiro 

Por dentro eu quero gritar
Impulsivamente levanto e faço isso
Os berros ecoam no topo da nossa montanha
Você levanta, ajeita as calças e grita também
Eu sempre amei o jeito que você acompanha minhas loucuras

Te levarei em cada célula minha
Meu colo seguro, meu amor dessa vida, meu melhor amigo
Mas preciso soltar nossas amarras e seguir adiante, 
num novo roteiro que descobrirei sozinha!
Mas nossas memórias fotográficas e escritas 
não me pesa guardar. 
Por isso, hoje eu te eternizo mais uma vez aqui, nas palavras e em mim! 

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